A Fundação Heinrich Böll faz parte de um grupo de organizações históricas, como Action Aid, Anistia Internacional e Oxfam, que produziu a "Carta Cidadã," (em inglês Civic Charter) um documento, aberto para assinaturas, baseado nos princípios dos direitos humanos e que busca ser referência para as pessoas que lutam por seus direitos de participação no processos decisórios sobre suas sociedades. A carta foi elaborada como resposta aos intensos retrocessos nos direitos de ativistas e organizações da sociedade civil atuarem em diversos países.
Segundo o "Relatório Estado da Sociedade Civil - 2016" da Civicus, foram registradas ameaças graves a uma ou mais liberdades civis em mais de 100 países. Em todo o mundo, ativistas são vítimas de desaparecimentos e assassinatos; organizações da sociedade civil e seus funcionários enfrentam ameaças e prisões, contas bancárias são congeladas, licenças revogadas, sites bloqueados e escritórios fechados.
Além disso, ativistas que atuam contra os danos ao meio ambiente e questões ligadas à terra são frequentemente ameaçados de mortes, como Berta Cáceres, ambientalista assassinada em março deste ano em Honduras. Segundo a Global Witness, pelo menos duas pessoas perdem a vida a cada semana por se engajarem em ações por justiça Socioambiental. No Brasil, este cenário também é crítico. A Campanha Linha de Frente chamou a atenção para onze pessoas que estão com as vidas em risco e são criminalizadas por defenderem direitos garantidos na Constituição brasileira, como moradia. É o caso de Osvalinda Maria Pereira, ameaçada por madereiros e fazendeiros do Oeste do Pará por denunciar a extração ilegal de madeira e a ocupação indevida do território. Uma outra preocupação recente no Brasil é sobre os espaços de decisão política onde haviam presença de representantes da sociedade civil. Com a ascensão do novo governo, analistas consideram que esses espaços, como os conselhos, estão ameaçados de extinção ou até de enfraquecimento.
Nos últimos anos, uma série de iniciativas internacionais foi lançada para defender os espaços da sociedade civil, mas não foram definidas estratégias e comuns para isso, assim o processo de elaboração da Carta Cidadã, iniciado em Bangkok em novembro de 2015, veio preencher esta lacuna. Assim, segundo os idealizadores, a Carta proporciona uma base mais eficaz para promover campanhas e defender a participação civil, além de reforçar a solidariedade internacional com ONGs e ativistas que sofrem os processos de ameaça ao seu trabalho.
A Fundação Heinrich Böll tem como essência a promoção da democracia; por isso está engajada no processo de divulgação da carta, coleta de assinaturas e produção de conhecimento sobre o tema (acesse o dossiê em inglês Squeezed – space for civil society) a partir de sua sede e seus 33 escritórios pelo mundo.
Instituições que elaboraram a carta: Civicus, International Center for Not-for-Profit Law (ICNL), ActionAid, Amnesty International, Oxfam, Rendir Cuentas, Voluntary Action Network India (VANI), Africa Platform, Oak Foundation, Wallace Global Fund, Fundação Heinrich Böll e Open Society Foundations.
Leia abaixo a carta na íntegra, assine e divulgue.
Carta Cidadã
Quadro Global para uma Participação Cidadã
Nós, os povos, temos o direito de participar na construção das nossas sociedades
Os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais são, cada vez mais, objetos de violações, quase que por todo o mundo. Num número crescente de países, pessoas e organizações enfrentam severas restrições e são privadas dos seus direitos de participação na construção das sociedades em que se inserem. Ativistas são ameaçados, processados, perseguidos, presos, torturados e mortos. Organizações da sociedade civil são estigmatizadas, por exemplo, como agentes estrangeiros ou extremistas, tendo seu trabalho prejudicado, privadas de financiamentos, proibidas de operar ou até fechadas. Oportunidades das pessoas participarem de forma cidadã no processo de tomada de decisão pública são restringidas ou eliminadas.
Não obstante, se não existir uma efetiva participação das pessoas nos processos de decisão, o mundo será incapaz de superar os desafios mais ameaçadores, incluindo a pobreza persistente, o extremismo violento, as crescentes desigualdades ou as mudanças climáticas.
A participação individual e coletiva das pessoas traz vigor e dá sentido à democracia. É vital na proteção dos Direitos Humanos alcançar o Desenvolvimento e construir sociedades justas, tolerantes e pacíficas. Assim, assegura-se que os que ocupam cargos públicos ou outras posições de poder são responsabilizados pelas suas ações e trabalham para o bem comum.
Rejeitamos qualquer tentativa de impedir as pessoas de participarem na construção das suas comunidades, dos seus países e do nosso planeta comum.
A Carta Cidadã oferece uma estrutura para a participação dos povos
A Carta Cidadã é ancorada no sentimento comum de humanidade e reflete Direitos Humanos, Liberdades e Princípios universalmente aceitos. Oferece uma estrutura para a participação dos cidadãos e cidadãs que identifica os seus direitos dentro da legislação e dos acordos internacionais existentes.
É imperativo que todos os governos, todos os níveis da administração pública, instituições internacionais, empresas e organizações da sociedade civil, em todo o mundo, respeitem e apliquem integralmente as disposições da presente Carta.
A nós, os povos, são inalienáveis os seguintes direitos, que devem ser respeitados, protegidos, promovidos e totalmente garantidos, em todos os lugares e sem qualquer discriminação:
1. Liberdade de Expressão: Todos e todas são livres de partilhar, discutir e promover as suas opiniões e ideias, apoiar as ideias de outros, ou expressar dissidências.
2. Liberdade de Informação: Todos e todas têm acesso fácil e de forma rápida a toda a informação pública.
3. Liberdade de reunião: Todos e todas são livres para se juntarem a outras pessoas com objetivo de, pacificamente, buscarem fins e terem aspirações comuns.
4. Liberdade de Associação: Todos e todas são livres de criar, aderir a ou apoiar organizações de modo a promoverem, de forma pacífica, causas comuns.
Para assegurar que todas as pessoas usufruem destes direitos deverão ser garantidas as seguintes condições:
5. Participação efetiva: As pessoas e as organizações a que pertencem podem participar e/ou influenciar processos de definição de políticas públicas e tomada de decisão, ao nível local, nacional, regional e global.
6. Apoio Financeiro: As pessoas e as organizações a que pertencem têm liberdade para acessar ou fornecer apoios financeiros, dentro e fora dos seus países.
7. Oportunidades de Cooperação: As pessoas e as organizações a que pertencem são livres de promoverem e participarem em processos de diálogo nacional e internacional e Cooperação.
Estes direitos podem ser legitimamente reivindicados, desde que não infrinjam os direitos de terceiros, ou incitem e promovam o ódio, a discriminação, a hostilidade ou a violência.
Para assegurar que a cooperação entre os povos e os seus governos e instituições públicas traga o máximo de benefícios para todos e todas, os seguintes princípios devem ser mantidos:
8. Dever de proteger: Cada governo garante que as pessoas e as organizações a que pertencem são livres para intervirem na vida cívica, sem perseguições, tortura ou ameaças às suas vidas, e não estão sujeitos a punições coletivas pelo exercício das suas liberdades fundamentais.
9. Ambiente Favorável: Cada governo adota medidas legislativas, administrativas e de outros tipos, que respeitem, protejam, promovam e façam cumprir os direitos e liberdades enunciados nesta Carta, investigando todos os ataques a indivíduos e organizações, de modo a assegurar que os suspeitos desses atos são responsabilizados, de acordo com os padrões internacionais de justiça.
10. Prestação Pública de Contas: Governos, empresas e organizações da sociedade civil têm responsabilidades perante a opinião pública.
A nossa responsabilidade individual e coletiva
Os povos de todo o mundo e as organizações a que pertencem lutam pela justiça e dignidade. O seu envolvimento nestas questões proporciona-nos a oportunidade para, coletivamente, superarmos os nossos desafios comuns.
Quer estejamos envolvidos em governos, em empresas ou em organizações da sociedade civil, é nossa responsabilidade coletiva assegurar e contribuir para um futuro comum mais pacífico, justo e sustentável.
Enquanto signatários
- Exigimos que todos os governos e suas instituições respeitem, protejam, promovam e implementem integralmente todas as convenções e acordos internacionais que estabelecem os direitos de participação civil das pessoas e apelamos às empresas, organizações da sociedade civil, instituições internacionais e outras entidades a agir em conformidade com essas convenções;
- Comprometemo-nos a defender e proteger os direitos das pessoas à participação, conforme estabelecido na presente Carta;
- Expressamos a nossa solidariedade com todas as pessoas cujos direitos de participação na construção das suas sociedades são violados.
Veja o vídeo e saiba mais sobre a Carta Cidadã
Civic Charter - The Global Framework for People's Participation - International Civil Society Centre
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